quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Rússia, 1812

É bem certo tratar-se de uma efeméride ingrata a este regime que procurou ignorá-la. A magnífica vitória portuguesa - povo e exército - sobre a França napoleónica, consiste num daqueles temas incómodos para quem insiste em ver na invasão, a semente de um porvir prenhe de "modernidades" de recorte estrangeiro. São sempre os mesmos, precisamente aqueles que também ignoraram o espolinhar de deputações aos pés do Corso, a extinção por decreto da soberania nacional, o arriar da bandeira das quinas, a terra queimada, os roubos, violações, abusos de toda a ordem e a própria partilha do território português. As fidelidades mantêm-se tão arreigadas como naquela época e pior ainda, hoje estamos numa situação em que já não há Corte num Brasil que nos valha. Em suma, o regime ignorou aquela vitória que garantiu a independência nacional por mais algumas gerações. Há cento e dois anos, a Monarquia soube comemorar condignamente a libertação de 1810. O Rei D. Manuel II esteve no Buçaco, acompanhado pelo sucessor do Duque de Wellington e pelo nosso exército em entusiasmos que uma semana depois foram esquecidos no escuro cobarde das casernas onde se refugiou num demasiadamente habitual abstencionismo.Tal como hoje, um exército demasiadamente "quebra-espadas" e agarrado à defesa de interesses tão corporativos como qualquer bastoneirada de dentistas, engenheiros de amarga cepa ou contabilistas de caixa emperrada. A Biblioteca Nacional prepara uma exposição comemorativa da presença da Legião Portuguesa na campanha da Rússia. A Legião combateu no lado errado da história e embora os seus elementos pudessem ter sido muito mais úteis na defesa do solo nacional, bateu-se bem às ordens do nosso inimigo. Nestes tempos difíceis, valham-nos as recordações de um tempo e de uma gente bem diferente. Aqui vos deixamos a magnífica obra de Tchaikovsky, exaltando a epopeia da resistência do Império da Rússia à horda invasora. No final, os sinos, o Deus Salve o Czar e o nutrido canhoneio, dizem muito acerca da têmpera de um povo.

5 comentários:

Anónimo disse...

Não entendo o seu argumento:
- Aplaude a "magnífica vitória portuguesa - povo e exército - sobre a França napoleónica". Mais abaixo aplaude a presença da Legião Portuguesa na campanha da Rússia ? Afinal qual é o ideal que apoia ? o que combate a França Napoleonica ou o que combate conjuntamente com a França Napoleónica na campanha da Rússia?

Afirma ainda que "Há cento e dois anos, a Monarquia soube comemorar condignamente a libertação de 1810". Eu pergunto, considera condigno a fuga da família real para o Brasil com mais de 10.000 mil funcionarios do estado em Novembro de 1807?
O Rei levou para o Brasil a estrutura do estado, levou incontáveis tesouros e abandonou os seus 3 milhões de concidadãos à sua sorte!
Porque é que entre 1807-1811 não conseguiu a monarquia no Brasil organizar uma armada e um exercito de 10.000 soldados para combater pela independencia de Portugal ?
Porque é que a monarquia desnecessariamente assinou tratados com a Inglaterra, que abriram os nossos portos aos ingleses, pagaram todas as despesas de guerra aos ingleses, destruiram a nossa incipiente industria e transformou Portugal num protectorado inglês até 1820! Por acaso os estados alemães e holandes que participaram na batalha de Waterloo fizeram tratados tão ruinosos com os ingleses? Os ingleses ao combater em Espanha pediram alguma contrapartida a Espanha? Os ingleses com a familia real portuguesa presente ou exilada, com tratados assinados ou não, invadiriam Portugal na mesma porque os seus interesses vitais estavam em causa.
Foi o povo, e o exercito anglo-luso que libertaram Portugal e não a monarquia.
Após a expulsão dos franceses em 1811 a familia real tinha o dever patriotico de regressar imediatamente para Portugal. Porque não o fez? Onde existe alguma dignidade neste comportamento ?
Porque é que por causa da luta de sucessão de dois irmãos da "família"se envolveu o país numa guerra civil só resolvida em 1834? E o que sucedeu em 1834-36 ? uma grave crise da dívida publica (imagine-se) devido aos custos da guerra civil.
Esta originalidade portuguesa de levar a corte para o Brasil custou ao país 30 anos de guerra constante, ruina economica, e instabilidade politica, milhares de mortos.
Resumindo, segundo o meu ponto de vista quem deveria comemorar esta nossa libertação deveria ser o povo, e o exercito portugues e ingles.

Nuno Castelo-Branco disse...

Entenderá o argumento se voltar a ler o post. Refiro-me exactamente ao valor que a dita Legião mostrou em combate, apesar de combater por uma causa errada.

Quanto à transferência da Corte para o Rio, gostava de o questionar acerca do que pensa sobre a "deslocalização" dos governos da Holanda, Noruega, Jugoslávia e Grécia durante a II Guerra Mundial? Não lhe parece legítima a intenção do prosseguimento da guerra, garantindo a soberania? Assim sendo, compare os casos acima mencionados, com a terrível situação em que se encontrou o regime de Vichy, por exemplo.

No que se refere à nossa posição perante a Inglaterra, note o que se passou quanto às possessões holandesas no ultramar: a aventura bonapartista saiu cara e os ingleses instalaram-se onde entenderam. Por outro lado, após a derrota na guerra da independência norte-americana, em Londres levantavam-se vozes que propunham seriamente um projecto de expansão na América do Sul, despojando Portugal e Espanha. A Corte no Brasil, significava uma decisiva viragem na política e presença portuguesa no mundo, afastando-a das ameaças que a permanência da sede em Lisboa representava. De facto. D. João estava mais livre que nunca e as potencialidades do Brasil eram inegáveis, imensas. Foi isso mesmo que permitiu a Portugal sentar-se na "mesa grande" do Congresso de Viena. No aspecto militar, a Monarquia Portuguesa participou activamente nesse citado esforço de organização de um exército que de qualquer forma, estaria sempre dependente do esforço e vontade dos nossos aliados britânicos. A Monarquia não se limitava ao rectângulo europeu e pelo contrário, esteve bem segura e nos seus domínios brasileiros. Quanto aos tratados, conhece o teor daqueles que a França imperial impôs aos países que forçosamente tiveram de acatar o Bloqueio Continental? Curioso será observar que as pautas aduaneiras, taxas de câmbio, requisições e imposições na produção, foram um excelente precedente daquilo que o III Reich imporia à Europa ocupada.

Diz o comentador que a guerra civil se deveu a uma luta entre dois irmãos. Nada de mais errado, pois o conflito deve-se sobretudo, ao redesenhar da correlação de forças na Europa, principalmente após a queda da Casa de Bourbon em França e o advento da Monarquia de Luís Filipe. São sequelas das guerras napoleónicas e dos acontecimentos decorrentes da revolução francesa. Há também que sublinhar o advento de uma nova organização social, com profundos reflexos na estrutura dos Estados que passaram a contar com extractos bem activos quanto ao poder de decisão, onde a economia e a finança pontificavam, subordinando a política.

Anónimo disse...

Como o meu texto é longo terei que o enviar em duas partes:

PARTE 1

Quanto ao assunto da legião. Valoriza exclusivamente a competência e desempenho dos soldados portugueses no campo de batalha. Levando o seu argumento ao extremo legitima todo o tipo de guerras, pois exalta apenas o "valor em combate". Coloca assim ao mesmo nível traidores (aqueles que colaboram com o inimigo) e os patriotas (os que lutam contra o inimigo).
Lembro-lhe que as "valorosas" chefias da Legião Portuguesa que combateram na Rússia, como por exemplo, o Marquês de Alorna e o general Manuel Plamplona, foram as mesmas que colaboram activamente com o General Massena, na terceira invasão francesa em Junho de 1810.
Ressalvo no entanto, os soldados da Legião que não tendo conseguido desertar, combateram porque a isso foram obrigados.

Não critico a "deslocalização" dos 4 citados governos e considero legitimo um exilio para prosseguir uma luta armada. Mas estes casos não são comparáveis com a fuga da corte para o Brasil. No primeiro caso os governos regressaram imediatamente aos seus países depois de libertados. No caso português só uma década depois!! Este é o ponto fundamental e é o que me leva também a qualificar a "deslocalização" da familia real como fuga.
O rei regressou a Portugal não por vontade própria mas porque foi impelido pela revolução de 1820 em Portugal e também pela instabilidade política no Brasil, bem expressa pelo massacre da Bolsa de Comércio do Rio de Janeiro, três dias antes do embarque para Lisboa.
Para mim a atitude correcta a tomar pelo rei perante a ameaça de invasão de Portugal, era ter preparado com antecedência um exercito, porque isso foi possível faze-lo depois das invasões. Não foi isso que aconteceu bem pelo contrário. Quando o rei partiu para o Brasil ordenou que se recebesse o exercito francês como aliado sem qualquer oposição.
Recordo a chegada do exercito frances num estado deploravel a Lisboa. Afinal não era a tal ameaça temível. Mais tarde em agosto de 1811, na Roliça e Vimieiro, um exercito inglês e um manto de retalhos do exercito portugues derrotou o todo poderoso exercito frances. Ao abdicar de lutar contra os franceses, o rei foi obrigado depois a recorrer aos ingleses e colocou o pais numa situação de fraqueza negocial perante os ingleses que puderam impor todas as suas condições na convenção de 1807 e no tratado de comércio de 1810, altamente lesivos dos interesses portugueses.
Quanto ao exemplo do colaboracionismo de Vichy é um tipico caso de traição.

Quanto às possessões holandesas. Os ingleses instalaram-se nas possessões inglesas porque o Rei William V o consentiu e ordenou a todos os governadores coloniais a renderem-se
aos ingleses. Pelo tratado Anglo-Holandês de 1814 os ingleses devolveram todas as colónias excepto a Colónia do Cabo e Guiana. Mesmo esta última cedência é resultado de 4 guerras anglo-holandesas (1652–1654); (1665–1667); (1672–1674); (1780–1784). A perda destas duas colónias é pois a consequência de uma guerra com mais de 160 anos entre estes dois países.

Em relação à questão da corte no Brasil. As ditas ameaças que representavam a capital em Lisboa para a soberania portuguesa, não deixariam de existir com o simples facto da
capital estar no Brasil. Portugal podia perfeitamente ter sido anexado pela Espanha e transformar-se-ia numa enorme Olivença. Embora de "jure" fosse Portuguesa de facto seria território espanhol. Veja os casos recentes da invasão do Chipre pelos turcos, e do Kosovo que era território sérvio e considerado pelos servios como o berço da sua nacionalidade.
Por outro lado a transferência da capital para o Brasil na prática tornou Portugal numa colónia. Questões como as decisões administrativas correntes e menores do estado sofriam uma viagem trasantlatica de ida e volta que levava 6 meses. Quando chegava a decisão a Lisboa já estaria desactualizada. Isto representava um enorme fardo burocratico a que se juntou com o tempo o distanciamento da corte em relação à realidade portuguesa.

Anónimo disse...

Como o meu texto é longo terei que o enviar em duas partes:

PARTE 2

Quanto ao Congresso de Viena. Portugal participou porque estava do lado dos vencedores e não porque tinha a capital no Brasil. E o que conseguiu foi uma mão cheia de nada: um promessa platónica de entrega de Olivença; uma mísera indemnização de guerra de 0,3% de um total de 700 milhões de francos; e note-se, exigiram-nos a devolução aos franceses da Guiana com a consequente delimitação das fronteira entre o Brasil e a Guiana francesa.

No plano militar. Refere que por parte da monarquia houve "esforço de organização de um exercito". Só depois das guerras napoleónicas é que a monarquia, perdão, os ingleses começaram a formar um exercito decente. Exercito esse que rapidamente absorveu mais de 75% das despesas anuais do país e que começava a servir de reserva militar para os combates da monarquia no Brasil. E também lhe pergunto: Conhece alguma armada que partiu do Brasil para combater nas guerras napoleonicas? Eu conheço sim o exemplo de uma armada portuguesa de 5 mil homens, que a expensas de Portugal continental foi combater na Primeira Guerra Cisplatina de 1816-20.

Sobre os tratados da França Imperial. Que tipo de tratados esperava de uma potência ocupante?

Sobre a guerra civil. Se não é uma guerra entre irmãos porque é que um irmão acusa o outro de ser usurpador do trono?

Para finalizar. O que é que foi fazer D. Manuel II ao Buçaco? Certamente homenagear o exercito anglo-luso, e os 250 mil portugueses que morreram nas invasões napoleonicas. Não ouvi D. Manuel II pedir desculpas a Portugal sobre a falta de patriotismo da monarquia ao ausentar-se tantos anos da pátria depois do conflito napoleonico estar resolvido.

Após as invasões francesas até 1820, Portugal tornou-se na prática um protectorado militar dos ingleses e uma colónia do Reino do Brasil.
Quanto à Legião Portuguesa deve ser objecto de estudo, de exposições, etc, mas deve ser recordado como um episódio triste da nossa história.

Anónimo disse...

Pequena correção ao meu texto anterior:

Onde se lê "Mais tarde em agosto de 1811, na Roliça e Vimieiro" deve-se lêr "Mais tarde em agosto de 1808, na Roliça e Vimieiro"

O ponto que quero demonstar é que tivemos a possibilidade de rechaçar por completo a entrada de Junot no país em Novembro de 1807, e que passados 6 meses num improviso quase total vencemos os franceses num confronto directo.