segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

E hoje, como estamos? Muito pior.

A propósito da problemática afirmação de Artur Santos Silva, presidente da Comissão Oficial do Centenário, em que sentenciou a actual Justiça como …”pior que a do Estado Novo”, convém relembrar alguns singelos desabafos da autoria de Ramalho Ortigão:

Caracterizando o período do rotativismo como um período de “decomposição da sociedade”, ia dizendo também que …”nenhum dos dois partidos (o Progressista e o Regenerador) a si mesmo se distinguia do outro, a não ser pelo nome do respectivo chefe, politicamente diferenciado, quando muito, pela ênfase de mandar para a mesa o orçamento ou de pedir o copo de água aos contínuos” (in Dom Carlos, o Martirizado). Mais, Ortigão esclarecia que a sociedade ia sendo “lentamente, surdamente, progressivamente contaminada pela mansa e sinuosa corrupção política (…) a indisciplina geral, o progressivo rebaixamento de caracteres, a desqualificação do mérito, o descomedimento das ambições, o espírito de insubordinação, a decadência mental da imprensa, a pusilanimidade da opinião, o rareamento dos homens modelares, o abastardamento das letras, a anarquia da arte, o desgosto do trabalho, a irreligião, e, finalmente, a pavorosa inconsciência do povo”.
Falava assim o insigne escritor da situação criada pela partidocracia infrene, que tão bem conhecemos, precisamente no momento em que o Chefe do Estado ainda não tinha caído sob a alçada dos rotativos – hoje o PS e o PSD – em que Portugal possuía alguns argumentos para o jogo internacional, onde o Ultramar era carta decisiva ou pelo menos valiosa. Assim desabafava, numa época em que existia o Poder Legislativo; o Poder Judicial, o Poder Executivo e o Poder Moderador, hoje todos eles, meras ficções formais.

Hoje estamos bem e recomendamo-nos a todos: o Ultramar foi-se e com ele, a tal garantia de que todos desdenhavam, mas sempre esperavam; não temos agricultura e muito menos ainda, indústria que se veja. A “nossa banca” não passa de espúria agência estrangeira em solo outrora nacional. Pescas? Comércio? Autonomia nas nossas trocas comerciais, hoje submetidas ao esmagador peso espanhol, de longe mais despótico, prepotente e perigoso que os 20% de comércio com a Inglaterra de há cem anos? Marinha mercante? Onde isso já lá vai… Não temos alfândegas que protejam seja o que for. A moeda é um sucedâneo do Deutsche Mark, rapidamente baptizado de Euro, com as hepáticas doze estrelas que confirmam a sujeição à plutocracia sem rosto. Estamos tutelados e até agentes financistas que foram grandes responsáveis pela crise de agiotismo que levou milhões para a miséria, vem agora rebaixar oranking de fiabilidade portuguesa. É um desastre mais gravoso que Alcácer Quibir e ao contrário de há quatro séculos, qualquer 1º de Dezembro – a extinguir como feriado, por vontade do patronato – é muito improvável.

Mas mantenhamo-nos tranquilos, pois o Supremo Magistrado é sempre um dos Grandes, escolhido pelo Rato, ou pela Lapa. Uma questão meramente zoológica. Resta-nos o direito à fala, por enquanto. Desde que não incomodemos em demasia.

Bem vindos ao ano do Centenário da República que jamais o foi.


1 comentário:

Maria Menezes disse...

Como tudo isto está, já me sinto a bordo do Titanic!!!