domingo, 5 de outubro de 2008

As mulheres, na I República, foram vaiadas e consideradas más mães quando lutavam pelos seus direitos



Lisboa, 04 Out (Lusa) - As mulheres, na I República, foram vaiadas e consideradas más mães quando lutavam pelos seus direitos e, embora desiludidas por não conseguirem o acesso ao voto, continuaram fiéis ao regime, ao contrário dos homens, que abraçaram a Ditadura.

A tese foi defendida, em entrevista à Agência Lusa, pelo historiador João Gomes Esteves, autor do livro "Mulheres e Republicanismo (1908-1928)", apresentado sexta-feira, na Biblioteca-Museu República e Resistência, em Lisboa.

A obra, editada pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, retrata, nas palavras do historiador, "vinte anos da luta política" de duas mil mulheres "em torno do ideal que é a República", apesar das "suas limitações feministas".

"São vinte anos de uma luta esquecida no tempo", que envolveu professoras, médicas, enfermeiras e jornalistas.

Entre 1908, ano do regicídio de D. Carlos, e 1911, um ano depois da Implantação da República, as mulheres "intervinham constantemente" em debates, reuniões e sessões e eram ouvidas pelos deputados.

Pediam a revisão do Código Civil, que as consagrasse como pessoas e não "como loucas" ou gente "menor", o direito ao voto, à instrução e educação, e o fim da mendicidade infantil.

"Centenas e centenas de artigos polémicos foram produzidos, assim como editoriais e primeiras páginas de jornais", adiantou João Gomes Esteves, reforçando que as mulheres "foram extremamente combativas, não abdicaram de emitir a sua opinião", ao ponto de serem "insultadas, vaiadas, apontadas na rua" e de serem "consideradas mais homens do que mulheres e más mães de família".

Contudo, já com a República em curso, o activismo político feminino, caracterizado por "intervenções polémicas e fracturantes", esmoreceu.

Aumentaram as cisões entre mulheres, com o aparecimento de diferentes organizações, e um direito ficou pelo caminho: o do voto.

"As mulheres depositam muita confiança no regime que as vinha beneficiar, melhorar a sua condição social, económica e política", sustentou o historiador.

"Mas, com a não concessão do direito de voto, a desilusão vai-se instalando", acrescentou.

Só que, ao contrário dos homens, as mulheres, embora desiludidas perante as "falsas promessas" do regime, continuam "coerentes com os princípios, acreditam mesmo nos valores republicanos e laicos da educação, liberdade, igualdade, fraternidade e de um mundo melhor".

"Muitos homens vão-se acomodando e passam para o outro lado, para a Ditadura", por quererem chegar ao poder, defendeu João Gomes Esteves.

Apresentando-se em formato de livro de bolso com 111 páginas, "Mulheres e Republicanismo" reproduz o discurso de Ana Castro Osório na sessão fundadora da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, em 1908, a mensagem da Liga no Congresso Republicano de Setúbal, em 1909, e o pedido de concessão de direito de voto às mulheres ao Presidente da República Sidónio Pais, em 1918.

João Gomes Esteves integra o projecto Faces de Eva - Centro de Estudos sobre a Mulher, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sendo um dos responsáveis pelo Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX).

É autor de livros, artigos, biografias e comunicações sobre o movimento feminista nas primeiras décadas do século XX.

ER.

Lusa/Fim

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